Para acompanhar a leitura: Beatles - Blackbird e Nação Zumbi - A melhor hora da Praia
Bonito,
Bonito foi nos conhecermos.
Eu escrevendo, contemplando o mar. Você, do bar, contemplando a mim e ao mar. “Tienes
una sonrisa muy hermosa”. Sorri. “Salgo a las doce, ¿te gustaría
tomar una cerveza?”. “Sí”.
Entre conversas sobre la música
y la escritura, cervezas y sonrisas “me dijo que dormía temprano pues no
llevaba una vida de turista”. Pensei nisso durante meu último dia na ilha, um dia
de turista. Como ya lo sabe, viajé sola. Pero en muchos momentos de mis
trilhas no permanecí sola. Este fue el único día que logré hacer eso. A melhor hora da
praia.
Desperté temprano, antes del
desayuno y me puse a escribir. El hostel Sitio Green, en el que estuve el
último día, es fantástico. Una finca en el medio de la floresta.
Un sitio
tranquilo y a mí me parece que te gustaría trabajar allí. Tendrías incluso
tiempo para entrenar el sax. Después de muchos cigarrillos e inspiraciones,
desayuné tranquilamente aprovechando el lugar y los sabores de las diversas mermeladas.
Después salí, destino Praia Preta.
Já tinha percorrido por ali
no dia anterior, mas quis explorar melhor o lugar, desta vez sozinha. Tirando
fotos e conclusiones. Durante o trajeto, vi alguns papeis e embalagens deixadas
pelo chão. Comecei a recolhê-los e quando me dei conta já estava com a sacola
plástica, também deixada no chão, llena de basura.
Lazareto - Ilha Grande/RJ |
Esse passeio teve um ar de
magia e traquinagem. Segui pela praia, mas vi entre as pedras umas trilhas mais
escondidas. Me meti a explorá-las e encontrei vários resquícios das ruínas do
Lazareto. Muralhas e escaleras de pedras cobertas pela mata. Fiquei
maravilhada. Deixei meu corpo ser invadido pela atmosfera de aventura. Ao
tentar me equilibrar numa pedra para tirar uma foto, escorreguei e cai. Ralei
meu braço e me sujei de terra. Ri alto.
É interessante lidar com o medo e o desejo.
E me recordei de um poema que seu homônimo Alejandro Zambra, o autor chileno,
escreveu no livro Formas de voltar para
casa, àquele que você me via ler:
É melhor não sair em nenhum
livro
As frases que não nos
queiram abrigar
Uma vida sem música e sem
letra
E um céu sem essas nuvens
que agora
Você não sabe se estão indo
ou vindo
Essas nuvens quando mudam
tantas vezes
De forma que ainda parecemos
estar
Morando no lugar que
abandonamos
Quando ainda não sabíamos os
nomes das árvores
Quando não sabíamos os nomes
dos pássaros
Quando o medo era o medo e
não existia
O amor pelo medo
Nem o medo pelo medo
E a dor era um livro
interminável
Que um dia folheamos só para
ver
Se no final apareciam nossos
nomes
Todo el viaje fue muy
simbólico, como te lo dije. Y en pocos días me ayudaste a aclarar muchos pensamientos
y a ver otras formas de vivir. "¿Qué hiciste hoy?". Me encantó cuando te enseñé la piel de culebra
que encontré en la trilha y tú dijiste que se asemejaba al mapa de la América y
también a mí, cambiando de piel.
Conversei com muitas pessoas
durante a viagem e quando lhes perguntava alguma ideia de passeio para o dia,
elas me indicavam o lugar onde tinham a melhor vista da ilha. Foram diversas
melhores vistas. Hoje, no meu último dia aqui, encontrei o meu lugar. Quase ao
fim da Praia Preta, encontrei uma trilha que me levou a algumas pedras gordas e
altas, com um musgo verde vivo. Sentei numa delas e contemplei a vista por um
longo tempo. Vi muitas conchas grudadas nas pedras. Y
después de casi dos años, encontré el momento ideal para fumar mi proprio porro.
Hecho por mí misma. Temblaba. Fue una mescla de sensaciones, libertad y seguridad y miedo… Uma borboleta amarela cruza
pela minha paisagem... Tudo significa.
Praia Preta - Ilha Grande/RJ |
Sai dessas pedras pelo mar.
Encontrei outro lugar ideal embaixo de umas árvores baixas, como arbustos, sobre
um rochedo das ruínas do Lazareto. Deixei encostados nela a sacola de lixo, a
mochila, a roupa e os chinelos. Ao redor, havia algumas pessoas na praia e umas
poucas ruínas. Um velho cais implodido, provavelmente. Joguei meu corpo e
desejos no mar.
Entrei bem devagar para
contemplar cada passo, percebidos claramente diante da limpidez da água. Isso
foi o que mais me deixou abestalhada na ilha. A limpidez das águas dos mares
que a circundam. Sim, mares. Pois cada praia é particular. Mudam os tons de
cores e sabores de sal. Dá para ver os peixes, as conchas e muito do bioma
marinho, se contemplá-los com cuidado e abrir os olhos para outros universos.
Muitas pessoas divagam em pensar se há seres extraterrestres. – Não sei,
provavelmente. – Mas não se dão conta de todo o universo que há no nosso próprio
habitat. Me diverti observando as conchinhas.
Mergulhei e pude ver também o
reflexo de minhas mãos na água. Como se olhasse para um espelho, de baixo para
cima. Estava plena. Sensação incrível. Há uns 200 metros havia pedra no meio
das águas do mar – calculo. Já havia observado algumas pessoas nadarem até lá e
quando não tinha mais ninguém nadei até ela. Lapidada pelo mar na parte
superior, mas bastante áspera nas laterais. Essa inclusive foi uma das queixas
que ouvi dos companheiros de trilhas “as pedras são bem ásperas por aqui, tenha
cuidado”. Nesse momento, agradeci. Algumas asperezas são necessárias. As da
natureza, somente. Quando cheguei na pedra, excitada de adrenalina e de marihuana,
gritei naturalmente: Terra à vista! Gargalhei de mim. É bom rir de si, por isso
vivo sorrindo. Das situações e acasos que vivo. Para me livrar de certas
asperezas não naturais.
Deitei na pedra e deixei as
ondas me lapidarem também. “Llegué”. Gozei. Já fazia uns dias que eu não alongava
as costas – um dos maus de se dormir em beliches. Já deitada na pedra, levantei
as pernas para cima, forcei a lombar e levei as pernas e os pés para trás da
cabeça. Um tesão sentir meu corpo todo se esticando. Trouxe as pernas de volta,
mantive-as para cima, num ângulo mais ou menos de 90 graus, e estiquei o máximo
que consegui. Depois desci as pernas, deitei novamente e levei meu tronco até o
joelho, abraçando os pés. Deitei novamente, as ondas me fizeram escorregar um
pouco, e senti que era hora de voltar à areia.
Nesse meio tempo, com
infinitas coisas para brisar, você me veio à cabeça, Alejandro U. “Soy argentino
pero el apellido es vasco”.
Pensei no trajeto que você disse
fazer todos os dias a nado. Energizante! Não pude deixar de pensar também em nossa
breve despedida. Estava difícil deixar a Ilha e arranjei desculpas para
permanecer mais tempo nela. A primeira foi o ônibus, que deixei,
propositalmente, para comprar de última hora e quando vi – quando vimos –,
sexta à noite, não tinha mais vaga num horário depois das 18h. Fiquei mais um
dia e foi providencial. Esse dia foi hoje. O meu dia. A melhor hora da praia.
A outra desculpa seria
passar o dia contigo, porque “los martes son meus dias de folga”. Nesse tempo
em que fiquei na pedra, algumas coisas ficaram mais claras. Pensar em
escrevê-las deixou tudo mais límpido, como o mar. Sou uma mulher das palavras
escritas. Quando propus a você que passássemos esse dia juntos, queria
experienciar o dia com você. Como você vive seus dias na ilha. Como acabei também
vivenciando a rotina de outras pessoas da ilha. “No quiero envolverme
con nadie”, me disse. “Yo tampoco”, respondi. No entanto, já
estávamos envolvidos. No quisiste. Talvez tenha sentido medo, miedo. Ya
te había dicho que tampoco quería envolverme con alguien. Não tenho como. Você também não. Estás
para la música como estoy para la escritura. Estamos para la vida. Solo me
gustaría que hubiera tenido confianza en mí. ¿Comprendes? Pero no dice que no
me enamoraría de ti. Me suena diferente. Pienso que la vida es para ser vivida con pasión. Lo
siento, pero me enamoro de las personas que piensan. Además de eso, de tu miedo
solo concluyo que yo soy una persona apaixonante. Tu también lo es. Fomos. Fuimos.
Queria nadar da praia de
Abraão à Julia, de Julia à Crena – e poder ver à luz do dia a praia onde
transamos à luz do luar –, e de Crena à Abraãozinho. Sentir o tesão de nadar
com você e te ouvir algumas horas mais. Depois, voltaríamos pela trilha,
molhados e suados. Você cozinharia para nós seu prato preferido e enquanto
estudava música, eu começaria a ler Siddhartha, de Hermann Hesse, e escreveria poemas. Por la
tarde me iría a Sitio Green, arreglar mis cosas para partir. Sin embargo, nos
quedaron abrazos, besos y cansancio. “Boa vida!”. “¡Buena vida!”.
De volta à areia, traguei
deliciosamente um cigarro. Senti vergonha, depois de tudo que acabara de fazer.
Nadar, alongar... Ainda não tenho vontade de parar. Talvez mude para o
palheiro. Talvez. Uma hora isso acontecerá naturalmente, como a vida deve ser.
Ou não? Mas me pego a pensar que fumando só estrago – conscientemente – a mim. E
a minha frente vejo a sacola cheia dos lixos que encontrei pelo caminho. As recomendações
de saúde giram em torno do discurso da hipocrisia. Por isso recolho lixos e
fumo cigarros.
Fechei o cuaderno de ideas –
o mesmo que você escreveu o nome de Aníbal Augusto Sardinha, Javier Malosetti
& Negro Rada – e me joguei no mar para um mergulho de despedida.
Energizante. E segui meu rumo, hoje com um destino mais certo e cronometrado.
Me troquei na trilha, tirei ainda
uma porção de fotos e fui comprar regalos para mi família. A loja Artesanato é
incrível. Uma casa de fachada amarela com janelas azuis, bem próxima ao cais
por onde sai a barca. Além de esculturas, cangas e lenços muito bonitos, ela
tem logo na entrada uma prateleira com instrumentos musicais. Segundo a
vendedora, a maioria dos artigos da loja são importados da Indonésia. Os
instrumentos também são. Comprei dois, não resisti. Mais uma das tantas
lembranças da ilha. Uma flauta de bambu e um tambor de mola grande, o mais
manêro, pues ele imita o som do trovão, truenos, se você o coloca mais longe do ouvido, e
das ondas do mar, olas, se o coloca encostado. Ele é feito de um papel bem grosso e
tem formato cilíndrico. Numa ponta é fechado com plástico e do meio desse
plástico sai uma mola larga, de uns 30 cm. Curiosamente, gostei do primeiro que
peguei pelo som e por ter nas pinturas tons de verde, minha cor preferida.
Depois, observando-o de novo, me dei conta de que tem um lagarto desenhado de
estampa. Tenho simpatizado com as metáforas dos répteis, cobras e lagartos.
Depois que almocei, segui em
direção ao Sítio, o hostel que passei esse último dia. Lugar fantástico. Posso
dar mais detalhes numa outra correspondência, porque algo mais fantástico
aconteceu em seguida. Caminhava na rua Profa. Alice Kuri da Silva, a rua da
igreja, e ouvi um barulho de serra na primeira rua à direita, numa das
paralelas da Rua da Praia. O som vinha de uma marcenaria. A marcenaria do
Maurício. Ele é badjeco – nome que se
dá aos nativos de Ilha Grande ou que moram nela há mais de 9 anos. Parei em
frente à loja e o observei trabalhar. Muito simpático, disse para eu olhar à
vontade. Agradeci sorrindo. Reparei que bem na frente da loja, à esquerda,
havia uma mesa cheia de livros. Ao lado dela, uma caixa também cheia. Na
conversa, Mauricio me disse que num sonho ouviu alguém dizer a ele que tirasse
os livros da estante e os pusesse à mostra, na cara das pessoas. E assim ele
iniciou seu projeto. Ele propõe que cada pessoa pegue o livro e passe-o para
frente, para outro leitor, e deixe um de seus livros na mesa. Essa é a segunda
vez que expunha os livros, a primeira vez foi em frente à igreja.
Me aproximei da mesa e de
cara vi O fio das missangas, de Mia
Couto, autor moçambicano. Tive uma vaga lembrança de dois amigos comentarem
sobre Couto na mesa do bar, em São Paulo. Fiquei com ele e fiz um acordo com
Maurício: “Vou levar esse livro, mas me passe seu endereço – su dirección – que
te enviarei o meu” – pensando no livro que vou escrever sobre essa viagem, como
comentei com você. Endereços trocados, nos despedimos. “Quem sabe não te trago
o livro e te entrego em mãos Maurício...”. Ele sorriu e disse que aguardará.
Ao olhar o livro, vi que a
página estava marcada pela orelha no conto “O rio das Quatro Luzes” e logo na
primeira linha, uma adaptação de um provérbio moçambicano dizia “O coração é
como uma árvore – onde quiser volta a nascer” – El corazón es como un árbol –
donde quieras vuelve a nacer.
Não sabemos por onde os
acasos nos levarão. Estou descamando e uma nova pele se cria. Não te esperarei.
Pero sería lindo (re)conocerte en otro lugar y vivir los días contigo, escribiendo
y escuchando las canciones de uno que un día fue el único saxofonista de la isla.
Viviendo nuestra madurez.
¡Buena vida!
Com amor,
Bonita.
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