10 de outubro de 2015

Dia da Mulher

Acordei preguiçosamente num domingo chuvoso. Como de hábito e vício, peguei o celular para ver as horas, checar as mensagens... E uma delas dizia: Feliz Dia da Mulher!
Não me lembrava dessa data, uma a mais, como tantos outros dias de “tudo que se tem data comemorativa”. As datas comemorativas me deixam assim indecisa e pensativa... E não há como não pensar sobre o dia da mulher se sua página inicial, o Google, já te relembra sobre ele com uma linda ilustração de mulheres, em suas diversidades de traços, culturas e atividades: mulher cientista, mulher guitarrista, mulher contadora de histórias, mulher astronauta... Não há nenhuma mulher dando à luz, isso me deixou feliz, porque para ser mulher você não precisa ser mãe...
Conectada ao mundo das possibilidades, a primeira reportagem que vi publicada no meu Facebook foi “Uma homenagem do machismo ao Dia Internacional da Mulher”, publicada na Carta Capital.
Senti uma empatia muito grande com ela, pois descreve em alguns parágrafos o que sinto e penso sobre “ser mulher” numa sociedade machista. 
Nesse ínterim, o Facebook me pergunta: No que você está pensando? 
Penso tantas coisas... E diante do vazio característico da sociedade atual – a que vivo –, displicente em querer saber dessas tantas coisas que penso, me sensibilizo com a possibilidade de dizer ao Face e ao mundo – o meu mundo – que curti e compartilhei a reportagem.
Porém, um momento de lucidez cibernética me toma e me impede de efetivar essa publicação. – Por quê? – Porque seria uma publicação impulsiva e inexpressiva diante de tudo o que de fato o Dia da Mulher passou, em poucos segundos, a representar para mim.
Pensar e tecer um olhar reflexivo e crítico sobre as coisas não é fácil. Escrever, então, às vezes é um parto. Mas – não sei o porquê dessa adversativa – me reconheço nas “Palavras não falam”, que Mariana Aydar canta para mim em algumas manhãs:
“Eu me entendo escrevendo
E vejo tudo sem vaidade
Só tem eu e esse branco
Ele me mostra o que eu não sei”
E, para mim, escrever é isso: um consolo, um estímulo, uma lucidez... E para escrever – bem escrever – é preciso entender seu lugar enquanto enunciador e se voltar aos outros infinitos lugares de enunciação, proporcionados pela busca histórica dos fatos, que não são unívocos, mas expandem a fluidez dos pensamentos. O segredo da reflexão está em observar as trajetórias possíveis...
Demagogias à parte, voltamos à motivação principal desse texto-pensamento. O primeiro 8 de março comemorado como Dia da Mulher no mundo foi em 1917, em meio à Revolução Russa, no qual mulheres russas se manifestaram contra a entrada da Rússia na Primeira Guerra Mundial e por melhores condições de vida e trabalho. Nessa ocasião, a Rússia vivenciava o início da revolução que depunha um império milenário, sua população passava por grandes disparidades econômicas, étnicas, religiosas e buscava a independência desse governo autocrático. O “fim” dessa revolução culminou na Revolução de Outubro e na constituição do primeiro regime socialista da História. Acredito que a presença de mulheres numa luta revolucionária deve ser exaltada e pontuada, pois era uma situação em que a igualdade de direitos era tratada de uma forma mais paritária.
Após esse episódio, O Dia da Mulher veio à tona somente na década de 1960, recuperado pela primeira “onda” do movimento feminista. Durante muito tempo, os movimentos feministas eram constituídos principalmente de mulheres brancas de classe média originadas da Europa Ocidental e da América do Norte que lutavam principalmente pelos direitos de igualdade de poder (direitos de contrato, direitos de propriedade, direitos ao voto). Na década de 1960, esse pensamento passou a ser discutido e vivido em outros lugares menos setentrionais e mulheres das “antigas colônias” puderam vivenciar a luta pela desigualdade relacionada ao racismo, à homofobia, à colonização...
Em 1977, o Dia Internacional da Mulher foi adotado pelas Nações Unidas para relembrar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres. No entanto, como um dia festivo qualquer, ele perdeu seu caráter histórico de se tornou uma mera data comercial – estratégia articulada sabiamente pelo capitalismo.
Sendo assim, volto a pensar: Por que comemorar o Dia Internacional da Mulher? E por que comemorá-lo no Brasil?
Em 1928, a professora Celina Guimarães Viana, nascida em Mossoró, foi a primeira mulher a ter o direito de voto no Brasil, fato que pode ser considerado como o início da luta dos movimentos feministas no país. (Nesse mesmo ano, o voto feminino se regularizou na Inglaterra.) Celina deu entrada numa petição requerendo sua inclusão no rol de eleitores do município, por meio do artigo 17 da lei eleitoral do Rio Grande do Norte, de 1926, que dizia “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por lei”. Na época, esse feito impulsionou um grande movimento nacional levando mulheres de diversas cidades do Rio Grande do Norte, e de mais outros nove estados da Federação, a exigirem seu título eleitoral e direito ao voto.
Outra conquista que podemos pensar como uma contribuição à liberdade da mulher foi a legalização do divórcio. O Brasil constituiu-se como um país católico e foram necessários quase dois séculos para que houvesse uma emancipação do país como um Estado Democrático sem interferência direta da Igreja na vida privada. O divórcio foi instituído oficialmente com a emenda constitucional número 9, de 28 de junho de 1977, regulamentada pela lei 6515 de 26 de dezembro do mesmo ano. A lei concedeu a possibilidade de um novo casamento, apenas por uma vez, e o 'desquite' passou a ser chamado de 'separação'. Somente com a Constituição de 1988 foi permitido o divórcio e o casamento quantas vezes quisesse. 
Podemos pensar no divórcio como um alívio para tantas mulheres que casaram por obrigação ou que por uma infinidade de motivos mantiveram-se presas numa construção sacralizada como o casamento. Ainda sim, muitas mulheres se prendiam a essa instituição mesmo sofrendo violências, não sabendo ou podendo recorrer legalmente às opressões. Daí a importância também de exaltarmos a relevância da mulher Maria da Penha Maia Fernandes que após ser vítima de violência doméstica por 23 anos, lutou pelo surgimento de um dispositivo legal que aumentasse o rigor das punições aos homens que agridem física ou psicologicamente a uma mulher ou à esposa. Infelizmente, a denúncia aos casos de violência familiar e doméstica tem um prazo de validade de seis meses e é, muitas vezes, inferior ao tempo de maturação que pode levar um agredido a desligar-se de um agressor.
Depois de refletir e tentar organizar minimamente minhas ideias sobre a data comemorativa das mulheres, sinto uma dor e lastimo relegarmos essa data à mera troca de votos de felicidades vãos e à troca de presentes imbuída de consumismo. Como os aniversários, penso que essa data deva ser comemorada, com lembranças e um retorno à História. Recordando que se hoje temos o direito ao voto, ao divórcio e à igualdade (relativa) de sermos, foi graças à força, à luta e à insistência de muitas mulheres outras que viveram observando e sentindo uma vida de privilégios essencialmente dos homens. Direitos só o são quando compartilhados por um todo, e se há um em um meio que não possa compartilhar desses direitos, torna-se para os outros um privilégio.
Mulheres vivem. Mulheres, vivam! Resignificando e construindo novas maneiras de sermos, ou melhor, de podermos ser.
Enunciadora: uma mulher em construção e desconstrução de si e de parâmetros socialmente estabelecidos como certos. Careca por opção, mas daí a falar de construções de parâmetros de beleza, deixo para uma outra tarde inspirativa...


Mirassol, 08 de março de 2015.

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