10 de outubro de 2015

Teste do coração ou borboletas amarelas

[Sugestão de trilha sonora pra acompanhar a leitura: Tiganá Santana - Tempo & Magma (Ajabu!)]

− Altura?
− 1,70.
− Peso?
− 65, eu acho.
− Você se alimentou direito?
− Sim.
− Pratica exercícios?
− Sim, ando de bicicleta pelo menos quatro vezes na semana.
− Você fuma?
− Sim.
− Pode-se deitar de lado. Vou colar esses eletrodos no seu peito e começar o exame. Você já fez ultrassom?
− Sim.
− Esse exame é como um ultrassom, passo esse gel e tiramos um ultrassom do seu coração.
− Tudo bem.
− Vamos começar.
Entre o porquê deu estar fazendo esse exame, o clima e outras corriqueiridades, conversamos.
− Doutor, existe coração pequeno?
− Existe, é raro, mas existe. Fazendo uma analogia um pouco superficial, é como se uma pessoa de dois metros de altura calçasse 35. Os pés são proporcionais ao tamanho do corpo como o coração. Até pode existir um coração menor, ou pequeno, mas o coração é do tamanho necessário para comportar sua função, seus batimentos...
− Meu pai dizia que tinha o coração pequeno, mas nunca perguntei [não deu tempo de perguntar] se ele falava brincando ou se de fato foi diagnosticado com o coração pequeno...
− Bom, esse aparelho que estamos usando tem 1 ano. Ele é muito eficiente e podemos medir com certeza o tamanho do coração. Antigamente, os recursos eram escassos, talvez os diagnósticos não fossem tão precisos... Já estamos quase acabando, só vou ouvir seus batimentos.
Ouvimos meus batimentos e, nesse instante, um filme da vida passou pela minha cabeça. Lágrimas tímidas caíram no travesseiro. Ouvi meu coração. Foi a primeira vez que o ouvi e o vi bater. Eu me vi por dentro, vi o mais humano de mim. O órgão da vida e o que acredito guardar os sentires. Penso que é porque ele de fato sente. Processamos os sentimentos no cérebro, claro, mas o coração sente. Ele constata o sentimento. Quando nervosos ou apaixonados, ele pulsa com toda sua puissance, parecendo querer rasgar o peito. 
Nem por um ou outro, vi meu coração pra fora, na minha mão. Mole e ensanguentado, ele pululava. E eu o apertava mais e mais, porque queria sentir a dor na sua materialidade. Queria sentir uma dor física num lugar onde ela tem sido sentida tão abstratamente. A ausência física do meu pai me causou um imenso vazio... Me deixou oca. 
Um dos ensinamentos que traz uma morte é ver que há muita vida. Ou vidas. Tudo vive, talvez não no conceito mais biológico do termo, mas tudo carrega uma energia. Se num dia extremamente quente você se depara com uma pedra bem grande numa sombra e se deita sobre ela, você, se sábio, consegue sentir um choque de temperatura, de energia. Ela vai te refrescar e você pode aproveitar dessa troca e sentir na pele sua vida.
Vazia, oca e um pouco louca, abri meus olhos (e coração) pras vidas ao redor, como uma busca de preencher um espaço impreenchível. Às vezes é preciso resignificar a vida. E entre perceber e desfrutar de céus azuis da capital (por vezes raros, tornando-se mais dignos de serem percebidos) e da delícia que é o vento batendo no meu rosto quando ando de bicicleta, percebi por muitos dias a companhia de uma borboleta amarela. Se meu pai era cheio de vida, “era vida que se via em você”, e amante incondicional da natureza; se a energia se transforma; se levo comigo a necessidade de certas materialidades; e se me encontro por vezes perdida em sentimentos e ausências, assumi a borboleta como companhia e passei a chamá-la de Pai, o borboleto. 
Vi nisso um sentido. As borboletas vivem brevemente seu um mês com intensidade, perpassando por todos seus ciclos. Sua vida é breve, mas bela. A vida de meu pai também foi breve, mas intensa. E Pai, o borboleto, tem me mostrado que tudo é finito, mas que o fim não significa perda, pois ainda que nos afastemos do passado, ele nos constitui e nos ensina e ampara no adiante...
Pai, o borboleto, passou pela minha janela segunda-feira para desejar boa sorte. Estava, dessa vez, alaranjado. Talvez quisesse me abrir pras mudanças que estavam por vir. Novos ciclos, novas vidas...

São Paulo, 04 de outubro de 2015.

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